Pecuária do Amazonas tem potencial para crescer sem desmatar

Logística e falta de regularização dificultam o desenvolvimento da atividade no estado, que importa 70% do consumo. Pesquisadores apontam a necessidade de investir em modelos sustentáveis.

Por Samuel Simões Neto, com informações da WWF-Brasil

O crescimento da atividade pecuária no Amazonas, impulsionado principalmente pelo aumento no consumo de carne, deve estar acompanhado de uma mudança nos atuais sistemas de produção de gado. É o que propõe o estudo “A Cadeia Produtiva da Carne Bovina no Amazonas”, lançado por Idesam e WWF-Brasil no último dia 5 de outubro, em Manaus.

A publicação foi resultado de uma pesquisa desenvolvida com foco principal no sul do Amazonas, região que apresenta as maiores taxas de crescimento da pecuária no estado. Os autores realizaram um levantamento de informações sobre o caminho percorrido pela carne no Amazonas e descobriram que o Estado, que hoje consome quase 130 mil toneladas de carne por ano, importa mais de 70% do consumo.

Ainda de acordo com a publicação, as projeções para a região Norte brasileira apontam para um aumento do rebanho bovino no estado até 2023. Essa tendência foi elevada no período entre 2000 e 2012, quando o crescimento do rebanho na região foi de 71%, cerca de três vezes maior do que a média do restante do Brasil, que foi de 24%.

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Para Gabriel Cardoso, gerente do Programa Produção Rural Sustentável do Idesam, a expansão do mercado deve ser acompanhada de melhorias não só em produtividade, mas do ponto de vista social para o agricultor e respeitando o meio ambiente. “Existem muitas maneiras de produzir sem desmatar, de aumentar a produtividade sem prejudicar a floresta. É o exemplo dos modelos que estão sendo desenvolvidos em Apuí”, explica.

De vilão a parceiro

Ainda que a expansão da pecuária extensiva seja responsável por 80% do desmatamento na Amazônia, a publicação reconhece sua importância econômica e social para o estado. “Com exceção da capital – mais focada no Polo Industrial de Manaus –, o setor primário tem contribuído para a geração de renda e movimentação da economia do interior, colocando a agropecuária como uma das atividades mais importantes”, afirma o estudo.

Entre os caminhos para uma produção mais sustentável, estão as técnicas de manejo silvipastoril semi-intensivo e intensivo. Aplicadas em 14 propriedades de Apuí, no sul do Estado, essas técnicas conseguiram mais que duplicar a capacidade produtiva nas áreas. Enquanto no sistema extensivo tradicional o índice era de 0,6 UA (unidade animal por hectare), com o manejo rotacionado silvipastoril, subiu para 2,5 UA, com potencial para alcançar até 6 UA/hectare.

“É abastecer todo o consumo do Amazonas, gerando renda para o interior do Estado e sem a necessidade de se desmatar nenhum hectare de floresta a mais”, explica Gabriel.

Segundo Ivens Domingos, especialista em pecuária sustentável da WWF-Brasil, presente no evento, a mudança vem ocorrendo não só pela mudança de postura de produtores, mas também por exigência dos consumidores do produto.

“Os clientes estão exigindo maior transparência e responsabilidade na produção. Isso motivou as indústrias a criarem seus próprios sistemas de monitoramento”, disse o pesquisador, sugerindo que o governo também tome posição.  “Como esse conhecimento pode contribuir com uma iniciativa oficial?”, questionou.

Questão fundiária e logística

Domingos destaca que a dificuldade de promover a regularização fundiária é um dos grandes gargalos para a pecuária do Amazonas.

“Sem essa regularização, os produtores têm dificuldades de acesso a financiamentos e não aderem ao Cadastro Ambiental Rural (CAR). Isso torna mais difícil a implementação de boas práticas produtivas, que é o que nos interessa”, afirmou o especialista.

Outro problema enfrentado pela cadeia da carne é a complicada logística no Amazonas,  imposta não só pelas características geográficas da região, como também pela falta de infraestrutura para o escoamento da produção. O impacto financeiro não se dá apenas através do pagamento de altas taxas de frete: durante o transporte, o gado fica vários dias sem comer e emagrece, o que provoca perda de rendimentos para os criadores.

Participaram do debate representantes de várias entidades e instituições que atuam na área, como a Federação da Agricultura e Pecuária do Amazonas (Faea); Agência de Defesa Agropecuária e Florestal do Estado do Amazonas (Adaf); Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema); Grupo de Trabalho Amazônico (GTA); Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa do Estado (Caama/Aleam) e Frigorífico Vitello.

O diretor-executivo do Idesam, Carlos Gabriel Koury, afirmou que a publicação do estudo é um primeiro passo para uma discussão mais qualificada sobre a pecuária no Amazonas. “Sentimos que as boas práticas na pecuária é um tema que precisa ser fomentado e debatido, e que tem uma relação muito próxima com a questão climática”, declarou.

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